A estética do lixo encontra uma luz vermelha
Por todo os anos 60 os cineastas do Cinema Novo impuseram sua marca, continuaram a pregar seus dogmas, mas viram suas forças dimunuindo conforme o poder de repressão do Estado crescia. A censura prévia interditava filmes e nossos cineastas não conseguiam exibir seus filmes. O mercado também não ajudava. Com a proposta de se desprender do cinema de consumo fácil, rompendo com o platéia um contrato de comunicação, os filmes não encontravam produtores e dependiam do mesmo governo que os censurava, através de leis de incentivo existentes.
Neste momento duas vertentes surgiram e se mostraram antagônicas. De um lado aqueles que defendiam um cinema que fizesse concessões ao público e permiti-se um diálogo contínuo. Os experimentalismos e a plástica do Cinema Novo deveria mudar. De outro lado, uma nova safra de diretores, como Júlio Bressane, Carlos Reichenbach, Rogério Sganzerla e Ozualdo Candeias propunham um radicalismo extremo. O desencantamento com a realidade encontrariam em textura preto-e-branco defensores ferrenhos.
O experimentalismo deveria ter um caráter profanador. Os marginais negavam a visão dualista de um Brasil dividido entre rural e urbano, utilizada até então pelas esquerdas para defender uma identidade nacional. As cidades começariam a ser retrato também de nosso país. O cinema marginal desenvolveu-se principalmente na Boca do Lixo paulistana, nas ruas próximas à Estação da Luz, como a Vitória e a do Triunfo. A Boca do Lixo ganhou destaque no cinema brasileiro por flertar com o cinema marginal e experimental e por ter produzindo cerca de 700 filmes de 1972 a 1982, muitos deles pornochanchadas.
O experimentalismo destes diretores pode ser notado em filmes como O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, que em tom semidocumental, ficcionava a partir de um fato real (o tal bandido da luz vermelha). Os cortes e a edição ganhavam um papel essencial na exemplificação da criatividade e no experimental, sendo responsável por toda a força narrativa e pela energia anárquica do filme.
Passávamos por um momento aonde a voz do intelectual militante falava mais alto do que a do profissional do cinema, como bem lembra Ismail Xavier, em seu texto sobre o cinema brasileiro moderno. Para ele "foi o momento de questionar o mito da técnica e da burocracia da produção em nome da liberdade de criação e do mergulho na atualidade", assim como nos anos iniciais do Cinema Novo.
Paralelamente aos filmes que tinham alguma preocupação com a evolução e com o diálogo sobre o cinema brasileiro, se desenvolveu na Boca do Lixo uma verdadeira industria de produção cinematográfica, responsável por grande parte dos 700 filmes filmados nas redondezas, a indústria das pornochanchadas. Uma "evolução" das antigas comédias do tempo dos estúdios se tornavam o grande filão do cinema paulista, lugar certo para quem queria ganhar (algum) dinheiro com o cinema.
As salas de exibição da região, e também de outras áreas da cidade e do país eram carentes de filmes eróticos, que há muito sustentava cadeias inteiras de exibição. A procura pelos filmes era tanta, que exibidores se tornaram produtores de seus próprios filmes e produziam um filme atrás do outro. Era um deus nos acuda.
Longe desta discussão teórica de como se fazer cinema e de que forma chegar até o público inúmeros cineastas se destacam entre 1970 e 1980. Reduzir a discussão e a história do cinema a esta dualidade única de pensamento seria reducionista demais. Nomes importantes se consagraram e surgiram, junto com um cinema preocupado tanto com o público quanto com a satisfação da realização.
No comments:
Post a Comment